segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Como andam as políticas públicas no nosso país, estado e cidade?

Diversas políticas públicas vem sendo implementadas em nosso país, estado e cidade, na tentativa de promover a igualdade social e a garantia de direitos dos cidadãos. No entanto, ainda falta muito investimento do poder público para que alcancemos esse tão esperado objetivo.
Basta olharmos para a saúde em nossa cidade e constataremos que ainda há muito para ser feito. Mesmo com a criação das UPAS, hospitais, postos de saúde, ainda presenciamos as unidades de saúde lotadas, com poucos investimentos, falta de profissionais e de medicamentos, a super lotação etc.
E o que dizer da política de habitação? Mesmo com os programas criados, estes não tem suprido a necessidade de moradia da população, que permanece, em sua grande maioria, morando em condições precárias, isto quando tem uma moradia, mesmo que com péssimas condições, visto que um grande número de cidadãos brasileiros estão nas ruas, pois mão tem onde morar.

Estas são apenas duas das políticas públicas que precisam urgente de mais investimentos.

Onde estão os direitos garantidos por lei?

Em nossa cidade essa realidade não é diferente.

Para complementar seus conhecimentos sobre políticas públicas, assista esse vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=jO-8PotJ9tM

CHARGE




POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE NO BRASIL

UMA ANÁLISE SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE NO BRASIL
ENFATIZANDO O CONTEXTO NEOLIBERAL

Kênia Raisse Borges Lima¹
Juliana Alexandre da Silva¹
Lucilene Alves Pereira¹
RESUMO
Este trabalho objetiva evidenciar alguns avanços e desafios no que diz respeito à
política pública de saúde. Historicamente as políticas públicas, em especial no
Brasil, caracterizam-se como subordinadas aos interesses econômicos e políticos,
sendo implementadas através de práticas assistencialistas e clientelistas. Essas
conservam em sua concretização o caráter fragmentário, setorial e emergencial que
são reforçados gradativamente a partir da ofensiva neoliberal, que preconiza a
retração do Estado na orbita da responsabilidade social, ou ainda a redução do
investimento público nos serviços sociais. Nessa perspectiva, buscaremos pontuar
que a gestão das políticas públicas deve ter um caráter de respeito à diversidade,
controle e participação social, e ênfase nas necessidades da população carente.
Palavras-chave: Políticas Públicas, neoliberalismo, Estado, saúde
1. BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DA SAÚDE NO
BRASIL
Nesse item versaremos sobre algumas características da Saúde no Brasil nos
séculos XVIII, XIX e início do século XX considerando os antecedentes da ação
estatal. Em seguida, daremos enfoque à intervenção do Estado na saúde, a partir da
década de 1930. Em relação aos Antecedentes da Ação Estatal, vale ressaltar que,
a assistência à saúde dos trabalhadores, com a industrialização nos países centrais,
foi sendo assumida pelo Estado, aliada ao nascimento da medicina social na
Alemanha, França e Inglaterra.
No Brasil, a intervenção estatal só vai ocorrer no Século XX, mais
efetivamente na década de 1930. Anteriormente, no século XVIII, a assistência
médica era pautada na filantropia e na prática liberal. No século XIX, em decorrência
¹Graduanda em Serviço Socialdas transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo
da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de
campanhas limitadas. Nos últimos anos deste século, a questão saúde já aparece
como reivindicação por parte do movimento operário que emerge neste período. No
início do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que
serão aprofundadas a partir de 1930.
Cabe destacar, a saúde pública, na década de 1920. Nesse contexto há
tentativas de extensão dos seus serviços por todo país. Como por exemplo: a
reforma Carlos Chagas, de 1923, que tenta ampliar o atendimento à saúde por parte
do poder central, constituindo uma das estratégias da União. Neste período, também
foram colocadas as questões de higiene e saúde do trabalhador, sendo tomadas
algumas medidas que se constituíram no embrião do esquema previdenciário
brasileiro, dentre elas, destaca-se: a criação das Caixas de Aposentadoria e
Pensões (CAPs) em 1923, conhecida como Lei Elói Chaves. As CAPs eram
financiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Dentre
os benefícios garantidos pelas CAPs estavam previstos: assistência médica-curativa
e fornecimento de medicamentos, aposentadoria por tempo de serviço, velhice e
invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral; estes eram proporcionais
às contribuições.
 Acerca da Intervenção do Estado na Saúde no período que compreende a
década de 1930 a 1964 podemos dizer que a conjuntura de 30, com suas
características econômicas e políticas, possibilitou o surgimento de políticas sociais
nacionais. As questões sociais em geral e as de saúde em particular, já colocadas
na década de 20, precisavam transformar-se em questão política, com a intervenção
estatal e a criação de novos aparelhos que contemplassem de algum modo, os
assalariados urbanos, que se caracterizavam como sujeitos sociais importantes no
cenário político nacional. A política de saúde formulada nesse período era de caráter
nacional, organizada em dois subsetores: o de saúde pública e o de medicina
previdenciária. O subsetor de saúde pública será predominante até meados de 1960
e centralizou-se na criação de condições sanitárias mínimas para as populações
urbanas e, restritamente, para as do campo. O subsetor de medicina previdenciária
só virá superar o de saúde pública a partir de 1966.
A Política Nacional de Saúde, que se esboçava desde 1930, foi consolidada
no período de 1945-1950. No final dos anos1940, com o Plano Salte de 1948, que envolvia as áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia; a Saúde foi posta
como uma de suas finalidades principais. A situação da Saúde da população, no
período de 1945 a 1964 não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e
parasitárias e as elevadas taxas de morbidade e mortalidade infantil, como também
a mortalidade geral.
A estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada, com fins
lucrativos, já estava montada a partir dos anos 1950 e apontava na direção da
formação das empresas médicas. A corporação médica ligada aos interesses
capitalistas do setor era, no momento, a mais organizada e pressionava o
financiamento através do Estado, da produção privada defendendo claramente a
privatização. Entretanto, apesar das pressões, a assistência médica previdenciária
até 1964, era fornecida basicamente pelos serviços próprios dos Institutos.
A unificação da Previdência Social, com a junção dos CAPs em 1966, se deu
atendendo a duas características fundamentais: o crescente papel interventivo do
Estado na sociedade e a medicalização da vida social foi imposta tanto na Saúde
Pública quanto na Previdência Social. O setor saúde precisava assumir as
características capitalistas, com a incorporação das modificações tecnológicas
ocorridas no exterior. A saúde pública teve no período um declínio e a medicina
previdenciária cresceu, principalmente após a reestruturação do setor, em 1966.
No período de 1974 a 1979, a Política Nacional de Saúde enfrentou
permanente tensão entre a ampliação dos serviços, a disponibilidade de recursos
financeiros, os interesses advindos das conexões burocráticas entre o setor estatal e
empresarial médico e a emergência do movimento sanitário. As reformas realizadas
na estrutura organizacional não conseguiram reverter a ênfase da política de saúde,
caracterizada pela predominância da participação da Previdência Social, através de
ações curativas, comandadas pelo setor privado.
Acerca da Política de Saúde na década de 1980, e a construção do Projeto de
Reforma Sanitária podemos dizer que nos anos 80, a sociedade brasileira ao
mesmo tempo em que vivenciou um processo de democratização política superando
o regime ditatorial instaurado em 64, experimentou uma profunda e prolongada crise
econômica que persiste até os dias atuais. A saúde, nessa década, contou com a
participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da
população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor,
contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. Então, a saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política,
estando estreitamente vinculada à democracia.
Dos personagens que entraram em cena nesta conjuntura, destaca-se: os
profissionais de saúde, representados pelas suas entidades, que ultrapassaram o
corporativismo, defendendo questões mais gerais como a melhoria da situação
saúde e o fortalecimento do setor público; o movimento sanitário, tendo o Centro
Brasileiro de Estudo de Saúde (CEBES) como veículo de difusão e ampliação do
debate em torno da Saúde; os partidos políticos de oposição, que começaram a
colocar nos seus programas a temática e viabilizaram debates no Congresso para
discussão da política do setor; e os movimentos sociais urbanos, que realizaram
eventos em articulação com outras entidades da sociedade civil.
As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram à
universalização do acesso as ações de saúde; a concepção de saúde como direito
social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema
Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar
sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para
as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do
poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde.
Afinal, os direitos como em todo são indispensáveis para que se possa pensar nessa
forma democrática e justa de vida. No mínimo por isso deveriam ser sempre
plenamente valorizados e defendidos (NOGUEIRA 2005, p. 7).
Um fato que é de fundamental importância para a discussão da questão
Saúde no Brasil, ocorreu na preparação e realização da 8ª Conferência Nacional de
Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília - Distrito Federal. O temário central
versou sobre: A Saúde como direito inerente a personalidade e à cidadania;
Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; e Financiamento setorial.
A 8ª Conferência representou, inegavelmente, um marco, pois introduziu no
cenário da discussão da saúde a sociedade. Os debates saíram dos seus fóruns
específicos (ABRASCO, CEBES, Medicina Preventiva, Saúde Pública) e assumiram
outra dimensão com a participação das entidades representativas da população,
dentre elas, os sindicatos, partidos políticos, e associações dos profissionais. Desta
forma, a questão da Saúde ultrapassou a análise setorial, referindo-se à sociedade
como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária. O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988
representaram, no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos direitos
sociais em nosso país frente à grave crise e às demandas de enfrentamento dos
enormes índices de desigualdade social.
A Constituição Federal introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas
injustiças sociais acumuladas secularmente, no entanto, incapaz de universalizar
direitos tendo em vista a longa tradição de privatizar a coisa pública pelas classes
dominantes. A Assembléia Constituinte com relação à Saúde transformou-se numa
arena política em que os interesses se organizaram em dois blocos: os grupos
empresariais, sob a liderança da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado) e
da Associação de Indústrias Farmacêuticas (Multinacionais), e as forças
propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária Nacional pela
Saúde na Constituinte.
O texto constitucional, com relação à Saúde, após vários acordos políticos e
pressão popular, atende grande parte das reivindicações do movimento sanitário,
prejudica os interesses empresariais do setor hospitalar e não altera a situação da
indústria farmacêutica. Para Teixeira (1989:50-51), os principais aspectos aprovados
na nova Constituição foram: O direito universal à Saúde e o dever do Estado,
acabando com discriminações existentes entre segurado/não segurado,
rural/urbano. As ações e Serviços de Saúde passaram a ser considerados de
relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e
controle. Embora não tenha sido possível atender todas as demandas quando elas
se confrontavam com interesses empresariais ou de setores do próprio governo. As
questões centrais sobre financiamento do novo sistema ficaram pouco definidas, não
tendo sido estabelecido um percentual sobre os orçamentos dos quais se origina.
Com relação aos medicamentos, há apenas uma alusão à competência do sistema
de saúde para fiscalizar sua produção. A saúde do trabalhador não contemplou
propostas como o direito do trabalhador recusar-se a trabalhar em locais
comprovadamente insalubres.
A mudança do arcabouço e das práticas institucionais foi realizada através de
algumas medidas que visaram o fortalecimento do setor público e a universalização
do atendimento; a redução do papel do setor privado na prestação de serviços à
Saúde; a descentralização política e administração do processo decisório da política de saúde e a execução dos serviços ao nível local, que culminou com a criação do
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) em 1987 e depois , em
1988, SUS (Sistema Único de Saúde), passo mais avançado na reformulação
administrativa no setor.
2. O SUS: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A SAÚDE NO BRASIL
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal
Brasileira, de 1988, para que a população do país tenha acesso ao atendimento
público de saúde. No entanto, sabe-se que anteriormente, a assistência médica era
de responsabilidade do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS) e se tinha uma divisão dos brasileiros em categorias: os que
tinham direito à saúde pública por serem contribuintes da previdência social; aqueles
que podiam pagar por serviços de saúde privados; e os que não possuíam direito
algum.
 Percebeu-se, então, a emergência e a necessidade de uma mudança na
conjuntura política da saúde no Brasil e a reorientação das práticas de saúde. Para
tanto, o SUS em seu arcabouço de leis, normas, resoluções e diretrizes é um marco
definitivo na garantia do direito a saúde do cidadão brasileiro, por determinar um
caráter universal às ações e aos serviços no país. (BRASIL,2006,p.5).
 Nesta perspectiva, na formação do referido sistema de saúde foram
estabelecidos os princípios e diretrizes que o norteiam. Como princípios temos: a
universalidade, a equidade e a integralidade; no tocante as diretrizes , podemos
citar: o controle social, o descentralização, a hierarquização, a regionalização e a
territorialização. O princípio da universalidade corresponde ao direito da saúde para
todos e cabe ao Estado garantir esse direito aos brasileiros; o segundo é um
princípio de justiça social e se trata do aspecto em que todos devem ter igual
oportunidade em usar o sistema de saúde no Brasil; e o terceiro princípio se refere a
um atendimento integral que contemple as necessidades da população incluindo
tanto os meios curativos quanto os preventivos, como também uma atenção à saúde
individual e coletiva.
Assim,
o SUS foi criado para oferecer atendimento igualitário e cuidar e
promover a saúde de toda a população. O Sistema constitui um
projeto social único que se materializa por meio de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros.
(Ministério da Saúde)
 Em se tratando de sua composição, fazem parte do Sistema Único de Saúde:
centros e postos de saúde, hospitais - incluindo os universitários, laboratórios,
hemocentros (bancos de sangue), os serviços de Vigilância Sanitária, Vigilância
Epidemiológica, Vigilância Ambiental, além de fundações e institutos de pesquisa.
Podemos então, exigir melhor qualidade no planejamento em relação à distribuição
de recursos públicos na área da saúde; ou seja, os recursos do SUS, e com isso
avançar no sentido da qualidade do atendimento e serviços em saúde para a
população. Pois, como afirma Paim (2008, p. 70): [...], a produção de conhecimentos
e a cooperação técnica em políticas públicas, planificação e gestão podem fazer
diferença no processo de formulação e de implementação de políticas em saúde [...].
 O SUS trouxe nova concepção de saúde e atenção no aspecto da prevenção,
proteção e recuperação da saúde. Contudo, vale ressaltar que ao se tratar de
mudanças no âmbito da saúde é preciso uma paciência histórica. Assim sendo,
seria possível efetivar uma prática diferente num contexto em que a maioria das
políticas são assistencialistas e emergenciais de com um perfil bastante pragmático
em diversos aspectos. É necessário perceber ainda que, há a [...] possibilidade de
se intensificar o processo de participação e controle social do SUS, avançando-se
na democratização do conhecimento, na reorientação das práticas e na melhoria
das condições de saúde da população. (TEIXEIRA&PAIM, 2005, p. 270)
 Desta forma, o modelo de saúde adotado pelo Brasil, o SUS, é considerado
uma perspectiva de avanço para a política de saúde de modo geral. Mas, apesar
das declarações oficiais de adesão ao mesmo, observa-se o descumprimento dos
dispositivos constitucionais e legais, além de uma omissão do governo federal na
regulamentação e fiscalização das ações de saúde. Muito ainda se deve persistir no
sentido de uma relação entre Estado e sociedade pautada pela articulação, controle
social, parceria, respeito à diversidade, transparência, descentralização e
participação.
3. AVANÇOS E DESAFIOS NO ÂMBITO DA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA
NO CONTEXTO NEOLIBERAL  Historicamente as políticas sociais, em especial no Brasil caracteriza-se
como subordinadas aos interesses econômicos e políticos, sendo implementadas
através de práticas assistencialistas trazendo consigo um ranço clientelista.
as políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfretamento –
em geral setorizadas e fragmentadas- á expressões multifacetadas
da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas
relações de exploração do trabalho (BEHRING e BOSCHETTI,2009,
p.51).
Sendo assim, refletem relações que não incorporam o reconhecimento dos direitos
sociais. Numa sociedade heterogênea com situação de pobreza, como o Brasil, as
políticas sociais, embora concebidas como ações que buscam diminuir as
desigualdades sociais existentes entre grupos e/ou indivíduos, contribuem na prática
para acentuá-las. Essas conservam em sua concretização o caráter fragmentário,
setorial e emergencial
No que concerne as políticas públicas de saúde no Brasil, Bravo (2001)
aponta que a questão de saúde vem se alterando a partir da relação
Estado/sociedade. Um fator que merece destaque nesta compreensão diz respeito
aos avanços decorrentes da ampliação do conceito de saúde.
 Segundo o documento do Ministério da saúde do Canadá, a saúde é
determinada por um conjunto de fatores, entre eles, a biologia humana; meio
ambiente; estilo de vida e organização de proteção à saúde. Isso implica em dizer
que, não podemos pensar nos problemas de saúde isoladamente, mas sim analisar
o contexto. Levando em consideração a equidade social, a pobreza, a falta de
acesso a educação e etc. É nesta perspectiva que a concepção social de saúde vem
se ampliando e a promoção de saúde nada mais é do que o reconhecimento pela
ciência da percepção do senso comum. Dessa forma, fica claro que o setor saúde
propriamente dito deve direcionar suas ações para além da simples provisão de
serviços, ou seja, deve apoiar os indivíduos e as comunidades para uma vida
saudável, desmistificando a compreensão de saúde atrelada a concepção da
doença, uma vez que a saúde contempla uma gama de elementos mais
abrangentes.
 Nesse sentido, Paim (2008, p. 101) enfatiza que a carta de Ottawa (1986)
estabeleceu um conceito amplo de saúde e seus determinantes, sistematizando
proposições centradas na mudança dos estilos de vida e na defesa de políticas
públicas saudáveis. E outro fato extremamente pertinente para perceber a dimensão do conceito ampliado de saúde, é a Reforma Psiquiatra. Uma tentativa de atender
às novas necessidades que surgiam no âmbito dos tratamentos psiquiátricos, um
novo olhar que se voltava para a saúde coletiva confrontando com a brutalidade
asilar.
De acordo com Bravo (2001) na década de 1980, a saúde atinge a dimensão
política ultrapassando o mero caráter técnico com qual essa questão era tratada –
possíveis resquícios do conceito ampliado de saúde que redimensionou o seu
enfrentamento. Com isso, tivemos uma maior participação por parte dos sujeitos
envolvidos, possibilitando a fiscalização dos serviços prestados. Cabe enfatizar
neste período a atuação das organizações não governamentais (ONGs), junto ao
setor de saúde.
Desse modo, é importante destacar, que as ONGs foram reconhecidas pelo o
Estado devido ao seu acúmulo de capital de recursos, experiências, conhecimentos
e formas inovadoras para enfrentar as refrações da questão social. Porém, estas
perdem força com a criação do SUS, uma vez que, este traz em sua constituição a
saúde como direito de todo cidadão brasileiro e um dever do Estado. Apesar desse
impacto sofrido pelas ONGs, essas não desistiram e continuam atuando junto à
saúde, seja nas imperfeições do SUS, nas demandas criadas por alguns grupos
sociais, pelo atendimento de doenças específicas e ainda no caso de populações
excluídas, ou seja, aquelas que vivem a margem da sociedade capitalista. Sendo
assim, é pertinente citar algumas de suas formas de atuação neste setor:
representação e defesa de grupos diversos (portadores de HIV, hanseníase, entre
outros); associações de pacientes e familiares de doenças crônicas, como diabetes,
Mal de Alzheimer, etc., grupos de acessória técnica e pesquisa em saúde e muitas
outras.
Esse quadro ganha nas configurações na década de 1990, a conjuntura
hiperinflacionária favoreceu a implantação das políticas neoliberais no Brasil. Estas
atingem o núcleo dos direitos sociais e políticos conquistados pela população, em
especial os trabalhadores. Neste contexto se tem a desconstrução das propostas
construídas na década de 1980 para o setor de saúde. Principalmente no que diz
respeito ao papel do Estado.
Segundo GOHN (2008, p.102) na relação com o Estado, a crítica mais usual é a de que as ONGs
estão substituindo o Estado em muitas áreas do social e, com isso,
corroborando para as mudanças preconizadas pelos neoliberais, de
desativação do papel do Estado em áreas sociais
Nesse contexto, temos como marco das relações entre o Terceiro Setor e o
governo no Brasil, a construção do projeto AIDS I. Este programa foi criado por
pessoas vindas de ONGs, governo e universidades. O mesmo teve como
consequência indireta, a criação da Coordenação Nacional para Doenças
Sexualmente Transmissíveis- DST/AIDS no Ministério da Saúde. Vale salientar, o
papel da sociedade civil que se encontra no centro de um embate entre posições
opostas, na busca por alternativas para enfrentar os problemas de saúde. De um
lado encontra-se o Banco Mundial propondo políticas de focalização e do outro o
movimento da reforma sanitária que lutava por um sistema de saúde universal, para
dá conta da assistência, prevenção e promoção de saúde de todo e qualquer
cidadão brasileiro. Elementos antagônicos que delineiam o curso da história
transformando-a num emaranhado de contradições.
Não obstante, surge, então, o primeiro Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) do Brasil, como um processo diferente no tratamento ao adoecer psíquico.
O Modelo se expandiu por várias regiões do país, ocasionando a diminuição das
internações e efetivando uma rede de atendimento em substituição aos manicômios.
Os CAPS foram criados oficialmente, bem como os Núcleos de Atenção Psicossocial
(NAPS), em 1992 com a Portaria GM 224/92 que os definiam como “unidades de
saúde locais/ regionalizadas que com uma população descrita definida pelo nível
local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime
ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por
equipe multiprofissional”. Atualmente, estes serviços substitutivos aos hospitais
psiquiátricos, são regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de
2002, que os integrou ao Sistema Único de Saúde e ampliou as competências dos
CAPS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Apesar dos avanços que podem ser apontados nesse período há que se fazer
menção aos desafios que se colocam para a implantação das políticas social em
geral, que trazem desde sua gênese um caráter focalista e paliativo.
É notório que este cenário adquiriu maiores proporções no bojo do
neoliberalismo que reduz consideravelmente a atuação do Estado no que toca a
responsabilidade para com a área social. Podemos perceber [...] drásticas reduções dos investimentos públicos na área do bem- estar
social. Cortam-se gastos sociais e transferem-se serviços para o
setor empresarial, condizente com a política de privatização, levada a
efeito pelo Estado (IAMAMOTO, 2009, p. 159).
Essa onda de privatização concatena um sucateamento dos serviços públicos,
gerando a precariedade no atendimento e nas condições e recursos institucionais.
O Estado em meio à crise dos anos 70 vai transferir os recursos antes
direcionados ao atendimento das demandas sociais via políticas sociais para os
interesses do capitalismo, que encontra no neoliberalismo o suporte ideológico.
Afetando no plano político a mobilização social, a consciência de classe, e
deslegitimação dos movimentos sociais que vê-se postulados a uma força nociva as
suas reivindicações.
 Com isso, vale realçar que a onda de privatização é um grande impasse para
a efetivação dos direitos sociais, que são gradualmente descartados em nome da
lógica do mercado. Nesse processo, de regressão das políticas sociais se faz
necessário a organização da sociedade civil e dos demais segmentos populares no
que diz respeito a uma mobilização que coloque em xeque todo esse contexto,
reivindicando a efetivação dos direitos sociais. Embora saibamos que no marco do
capitalismo não haja possibilidade da emancipação humana, a luta via espaço
público como ponto de partida pode trazer à tona um movimento de dimensões
inimagináveis, rompendo com a ordem capitalista e instaurando uma nova
sociabilidade.
REFERÊNCIAS
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BEHRING, Elaine Rossetti. BOSCHETTI, Ivanete. Política Social – fundamentos e história-
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UERJ/DEPEXT/NAPE, 2001.
GARCIA, Joana. Sociedade & Políticas- novos debates entre ONGs e universidade. Rio de
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NOGUEIRA, Marco Aurélio. O desafio de consolidar direitos no mundo globalizado.
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PAIM, Jairnilson Silva. Gestão da atenção básica nas cidades. In: Os desafios para
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_________________. O objeto e a prática da Saúde Coletiva: o campo demanda um
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TEIXEIRA, S. F.(org.). Reflexões Teóricas sobre democracia e reforma Sanitária. In:
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LINK: http://www.cchla.ufrn.br/cnpp/pgs/anais/Artigos%20REVISADOS/UMA%20AN%C3%81LISE%20SOBRE%20A%20POL%C3%8DTICA%20P%C3%9ABLICA%20DE%20SA%C3%9ADE%20NO%20BRASIL%20ENFATIZANDO%20O%20CONTEXTO%20NEOLIBERAL.pdf

As Políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios

As Políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios 1 (Tânia Bacelar*)

Para abordar o tema das políticas públicas no Brasil, vamos tratá-lo em três grandes blocos. O
primeiro discutirá a herança das políticas públicas no Brasil. O segundo, as novas tendências
da economia mundial e suas repercussões nas políticas públicas nacionais. E o terceiro, as
ameaças e oportunidades para o movimento popular brasileiro.
1. Herança das Políticas Públicas no Brasil
Chamamos de herança recente o período que vai dos anos 30 até hoje, quando o Brasil passa
por uma transformação muito grande. Nos anos 20, era um país rural e agrícola. O censo de
1920 revelava que 30% da população brasileira vivia nas cidades e 70%, no campo.
Cinqüenta anos depois, ocorria o inverso – 70% nas cidades e 30% no campo. Até 1930, a
economia do Brasil era uma economia agrícola. Em 1980, o Brasil era o oitavo PIB industrial
do mundo. Depois dos sete grandes, o oitavo era o Brasil. Isto nos dá uma idéia da mudança
de perfil na sociedade e na economia em meio século. O que alguns países levaram séculos
para fazer, o Brasil fez em cinqüenta, sessenta anos. Transformou-se numa potência industrial
média, com a maior parcela da sua gente morando nas cidades. Este é o perfil atual do Brasil.
Para entender os dias de hoje, é necessário saber que Estado tínhamos anteriormente e que
heranças e traços foram se fixando nesse percurso.
Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse período (1920-1980) era seu
caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário. Não era um Estado de
Bem-Estar Social. O Estado era o promotor do desenvolvimento e não o transformador das
relações da sociedade. Um Estado conservador que logrou promover transformações
fantásticas sem alterar a estrutura de propriedade, por exemplo. Nessa fase, o grande objetivo
do Estado brasileiro era consolidar o processo de industrialização. Desde o começo do século,
optou-se pela industrialização. A grande tarefa era consolidar esse processo e fazer do Brasil
uma grande potência. Assim, o grande objetivo era de ordem econômica: construir uma
potência intermediária no cenário mundial. O Estado desempenhava a função de promover a

1 -
 Texto retirado de: Santos Junior, Orlando Alves dos...[et al.]. (organizadores). Políticas Públicas e Gerstão
Local: programa interdisciplinar de capacitação de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003. *
 Drª em Economia, Planejamento e Organização do Espaço; Profª dos cursos de pós-graduação em Geografia,
Ciência Política e Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco. 2
acumulação privada na esfera produtiva. O essencial das políticas públicas estava voltado para
promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era
pretendido pelo Estado brasileiro, sem a transformação das relações de propriedade na
sociedade brasileira.
Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse período (1920-1980) era seu
caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário.
O Estado brasileiro é, tradicionalmente, centralizador. A pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a
tradição de assumir muito mais o objetivo do crescimento econômico e muito menos o
objetivo de proteção social ao conjunto da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma
postura de fazedor e não de regulador. Nós não temos tradição de Estado regulador, mas de
Estado fazedor, protetor; não temos tradição de Estado que regule, que negocie com a
sociedade os espaços políticos, o que só hoje estamos aprendendo a fazer. O Estado regulador
requer o diálogo entre governo e sociedade civil, e nós não temos tradição de fazer isso. O
Estado centralizador, em muitos momentos da nossa vida recente, junta-se ao autoritário:
tivemos uma longa ditadura no período Vargas e, depois, uma longa ditadura nos governos
militares pós-64. Então, o viés autoritário é muito forte nas políticas públicas do país.
Dado o seu caráter autoritário, o Estado não precisava se legitimar perante a grande parcela da
sociedade, ficando refém dos lobbies dos poderosos nos gabinetes, principalmente de Brasília,
já que se concentra na União. E as grandes lideranças nos períodos das ditaduras nem pressão
podiam fazer. Algumas estavam exiladas, outras foram mortas. Assim, a tradição, o ranço da
vertente autoritária, tornou-se um traço muito forte nas políticas públicas do país, e as
políticas públicas eram muito mais políticas econômicas. Se olharmos a história recente, as
políticas sociais e as políticas regionais são meros apêndices, não são o centro das
preocupações das políticas públicas. Nelas, o corte era predominantemente compensatório,
porque o central era a política econômica, já que a política industrial era hegemônica, porque
o projeto central era a industrialização.
Esse perfil autoritário e conservador também se traduz na maneira como tradicionalmente são
pensadas as políticas sociais. Quem está lá em Brasília tende a pensar que o Brasil é uma
média. E a média não diz quase nada do Brasil, que é um país muito heterogêneo. A
conseqüência dessa leitura é a dificuldade em considerar a heterogeneidade real do Brasil.
Cada lugar requer uma solução que venha da realidade. Quando se tem uma política 3
centralizada, o tratamento é homogeneizado. A centralização faz com que as propostas
venham de cima para baixo, e essa é uma tradição das políticas sociais no país. Junta-se a isso
a conseqüente dificuldade de promover a participação da sociedade.
Esse perfil autoritário e conservador também se traduz na maneira como tradicionalmente são
pensadas as políticas sociais. Quem está lá em Brasília tende a pensar que o Brasil é uma
média. E a média não diz quase nada do Brasil, que é um país muito heterogêneo.
Mas, vejamos ainda: que tipo de ação praticou o Estado? O Estado brasileiro fez tudo para
promover o projeto industrial: financiou, protegeu, criou alíquotas, produziu insumos básicos.
As estatais, que estão sendo privatizadas agora, produziam insumos básicos. Nas atividades
mais pesadas, de investimento mais pesado, com taxa de retorno mais lento, houve
participação do setor estatal produtivo. A produção de aço, a mineração, a produção de
petróleo e de energia, têm a mesma natureza: são insumo básico. O Estado investiu em
projetos grandes, onerosos, com taxas de retorno mais lentas, para possibilitar que o setor
produtivo privado ficasse com o mais leve e rapidamente rentável. O que se fez de rodovias,
de portos, de instalações de telecomunicações nesse país, nos últimos anos, é inimaginável. E
quem foi responsável por todas essas realizações? o Estado brasileiro. Agora, parte dessa
estrutura está sendo desmontada, com as privatizações.
Em muito menor grau, o Estado brasileiro também facultou serviços sociais, de segurança e
justiça. O Estado regulador, embora com uma face muito menor do que o Estado realizador,
também se fazia presente, quando era imprescindível a seu projeto. Por exemplo, na era
Vargas, o Estado interveio para regular a relação trabalho-capital. Quer dizer, no momento em
que a opção é a industrialização, em que o operariado vai surgindo e em que é necessário
definir as regras do jogo entre o trabalho e o capital, o Estado brasileiro aparece com força.
São da era Vargas o salário mínimo e o essencial da legislação trabalhista que ainda se
mantém. Na Justiça do Trabalho, ou seja, nos mecanismos de regulação da relação entre
trabalhador urbano e capital, o Estado esteve muito presente.
E o que herdamos dessa história brasileira, com o apoio do Estado brasileiro? Na minha visão,
herdamos um país que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem,
ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os países de perfil semelhante. Não há outro
país com o mesmo perfil do Brasil. Conseguiu percorrer essa trajetória econômica, que é
exitosa do ponto de vista de seus objetivos, mas é único quanto à distribuição de renda: 20% 4
dos mais pobres detêm, apenas, 2% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos detêm
quase 50% dessa renda. Só a Guatemala, um pequeno país, sem a importância econômica do
Brasil, é que apresenta um perfil semelhante. Na verdade, herdamos um país com uma grande
vitalidade econômica – que talvez se torne um exemplo de êxito econômico na história do
século XX – e, ao mesmo tempo, profundamente fraturado, com 2/3 da sua população fora do
mercado. É com esse Brasil fraturado que enfrentaremos uma nova era.
E o que herdamos dessa história brasileira com o apoio do Estado brasileiro? Na minha visão,
herdamos um país que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem,
ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os países de perfil semelhante.
Os anos 90 serão de mudanças na economia mundial. Vivemos uma fase de crise. Crise não
só do mundo socialista, mas também do mundo capitalista. Os economistas usam dois
indicadores básicos para mostrá-la: o modesto crescimento da produção – taxa mundial média
de 2,5% a 3%, com exceção da China, que tem crescido 10% ao ano, nos últimos cinco anos.
Mas, na média, mesmo os grandes países apresentam taxa de crescimento muito pequena.
Outro indicador é a taxa de investimento, igualmente modesta nos últimos anos. A economia
capitalista entrou numa crise nos anos 90, e o que se vivencia é uma fase de preparação e de
mudanças, talvez para um outro ciclo expansivo, que no entanto ainda não se firmou. Nesse
novo ambiente mundial, destaco três grandes movimentos: o movimento de globalização; o
movimento de reestruturação produtiva e o movimento de financeirização da riqueza.
2. Novas Tendências na Economia Mundial e suas Repercussões nas Políticas Públicas
Brasileiras
O movimento de globalização não é novo, nem próprio da crise. É um processo em curso, já
faz algum tempo, de internacionalização do capital. Há um movimento antigo nessa direção,
mas é apenas nesse final de século que ele se firma e se consolida cada vez mais. Marca, na
verdade, uma mudança no mundo: a existência, hoje, de alguns atores econômicos que têm
condição de operar em escala global. Um grande conglomerado multinacional, atualmente,
pode ter centenas de fábricas espalhadas em dezenas de países, pode controlar tudo em tempo
real, porque a revolução das telecomunicações assim o permite. Na verdade, os
conglomerados multinacionais planejam olhando para o globo e operam no âmbito do globo.
E esse é um dado novo, agora existem atores com essa capacidade. E sua existência incomoda
todo mundo, porque cresce a inter-relação entre os espaços econômicos. Esses agentes 5
econômicos impõem certas homogeneizações. As regras do jogo, o padrão de competitividade
e o tipo de organização econômica são, na verdade, impostos por eles, o que termina afetando
o conjunto do espaço econômico mundial, principalmente em países médios como o Brasil,
que interessam a esses agentes. E este processo é seletivo, não é homogêneo.
O movimento de reestruturação produtiva é, na verdade, o modo como o capitalismo
rearruma-se para tentar sair da crise. Mudanças importantes estão acontecendo, além da
globalização. Com a crise, elas estão se processando para buscar um outro padrão produtivo
para o futuro. Há novos setores dinâmicos no cenário mundial, como, por exemplo, o
complexo eletro-eletrônico, que é muito mais dinâmico do que o complexo metal-mecânico. E
este foi um dos carros-chefes da economia do século XX. Assim, enquanto uns perdem,
outros ganham dinamismo. Quando nos detemos no perfil produtivo, observamos a
emergência de algumas atividades e o arrefecimento de outras. Há tipos novos de processo
produtivo em consolidação. A chamada revolução científico-tecnológica está mudando, uma
vez mais, o modo de produzir. Aquela cadeia produtiva rígida, típica do século XX, está
sendo remontada. As novas técnicas produtivas introduzem a possibilidade da produção
flexível e rearrumam profundamente o processo de produção, ocasionando mudanças muito
severas. Não é à toa que a discussão em torno de educação é tão presente. Na verdade, o novo
modelo produtivo requer produção de conhecimento, requer inovação contínua no processo
produtivo. Os padrões gerenciais, que tendemos a desprezar, requerem transformações, como,
por exemplo, o relacionamento da empresa com os seus fornecedores e com os seus clientes; a
organização da empresa na sua intimidade. Esses padrões estão mudando de modo profundo,
inclusive ideologicamente. Investimentos maciços estão sendo feitos, hoje, nas áreas do
conhecimento e da educação.
É muito importante que o Brasil entenda o movimento de reestruturação produtiva,
normalmente negligenciado. Discutimos muito a globalização e pouco a reestruturação. Muito
menos discutido, ainda, é o movimento de financeirização. Há no mundo, atualmente, uma
enorme possibilidade de geração de riqueza na esfera financeira, o que aliás sempre existiu no
capitalismo, mas jamais com tamanha magnitude.
Paralelamente a essas tendências, e associado a elas, algo muito forte ocorre hoje no mundo,
que não é da ordem do mundo real, mas é de natureza político-ideológica. É a hegemonia da
visão neoliberal. Quando observamos o mundo atual, vemos que essas tendências 6
favoreceram a consolidação de uma visão que é ideológica e política: a visão de “quanto
menos Estado e quanto mais mercado, melhor; quanto mais individualidade e quanto menos
coletividade, melhor”. Essa é a perspectiva dos dirigentes mundiais. E é ela que impregna
todas as sociedades neste final de século. Trata-se de uma abordagem que favorece as
mudanças que estão acontecendo no mundo real, para que o capital globalizado circule no
mundo inteiro. Quanto menos Estado nacional houver, melhor será para a realização dessa
tendência.
Nesse processo, redefine-se o papel dos Estados nacionais. Criam-se instâncias
supranacionais, como o Parlamento Europeu. Há menos Estado na produção, menos Estado na
regulação e, portanto, mais mercado, o que é ótimo para viabilizar o projeto neoliberal. Por
conseguinte, há menos políticas públicas e mais mercadorias e serviços. A educação, por
exemplo, é agora tratada como uma mercadoria; só é acessível a quem pode pagá-la. Então,
contrapomos a essa visão nosso ponto de vista de que educação é um bem público e, portanto,
é dever do Estado.
No governo Fernando Henrique Cardoso, pode-se dizer que no Brasil havia duas tendências
importantes. A primeira traduzia-se na opção central por uma inserção no mundo, que se
poderia chamar de inserção submissa, mas que os economistas do governo chamavam de
“integração competitiva”. Era a opção de integrar, competitivamente, o Brasil neste ambiente
mundial. Como, na verdade, tratava-se de uma integração comandada pelo mercado, podemos
denominá-la submissa. E o Estado brasileiro, que tinha uma política industrial explícita,
deixou de fazê-lo. O mercado deve decidir o que fica e o que não fica.
A outra tendência importante que estava por trás das políticas públicas era a financeirização
das riquezas. Se não a considerarmos, não conseguiremos entender, por exemplo, a
privatização no Brasil. Porque o governo dizia: privatizaremos para conseguir receita
patrimonial e reduzir nossa dívida. Mas as contas do governo informavam seu endividamento.
O que ele fez, de fato, foi exatamente o contrário. Vendeu as estatais e de tudo o que já
vendeu obteve apenas algo em torno de 9 bilhões de dólares. Só conseguiu, de receita
patrimonial, vinte por cento. Oitenta por cento foram moeda podre. E aí pergunta-se: a dívida
do governo diminuiu? Não! A dívida cresceu. A trajetória da dívida mobiliária é de 55 bilhões
de dólares com Sarney, 12 bilhões com o calote de Zélia, 36 bilhões com Marcílio. Quando
Fernando Henrique assume o Ministério da Fazenda, a dívida é de 40 bilhões de dólares, 7
alcançando, já em setembro, 98 bilhões. Somente FHC, como ministro, aumentou em 150% o
valor da dívida mobiliária do governo. Ou seja, estamos mais endividados e sem o patrimônio
que foi privatizado. Patrimônio privatizado com moeda podre. Em vez de diminuir a dívida, o
governo aumentou as taxas de juros para atrair reservas (dólares) e emitiu muitos títulos da
dívida pública. Cresceu o endividamento e cresceu o déficit público. Logo, o governo não
resolveu seu desequilíbrio financeiro, mas se exauriu nestas duas contas: o serviço da dívida
externa e o serviço da dívida interna. Essa é uma das discussões mais atuais. Por que
carecemos de políticas públicas e por que o governo, de fato, não teve meios para patrociná-
las.
3. Ameaças e Oportunidades Para o Movimento Popular
Mas o Brasil não é o seu governo. Há um outro Brasil, que somos nós. Quando observamos
esse outro Brasil, vislumbramos outra trajetória, muito diferente da traçada pelos poderosos.
Existe uma proposta de reforma do Estado na sociedade brasileira! E não é a proposta
neoliberal. É outra. Existe uma proposta de descentralização! Na prática, a sociedade
brasileira está realizando a descentralização. Sempre que se diz concentrar, centralizar de
novo, dizemos não! Há uma decisão, no seio da sociedade brasileira, que rejeita a
centralização. Sabemos que centralizar não dá certo no Brasil. Estamos operando a
descentralização. Estamos ocupando os espaços da descentralização. Existe um espaço a favor
da democratização do Estado brasileiro! Estamos, de muitas formas, dizendo não àquele
Estado fechado, submetido somente aos lobbies. Há que existir um amplo espaço para
disputarmos as decisões e a implementação das políticas públicas necessárias. Sente-se uma
força na sociedade brasileira tentando instaurar o espaço da descentralização. Existe uma
decisão a favor das políticas sociais! Reformar aquele Estado desenvolvimentista, que só
patrocinava o crescimento da economia, e abrir espaço para um Estado que patrocine saúde,
patrocine educação, patrocine segurança. Um Estado com políticas sociais. Existe uma
proposta a favor do Estado transformador!
Existe uma experiência acumulada, ao longo desses anos, sobretudo nos espaços
governamentais locais, muito mais no âmbito dos municípios e de alguns estados do que no
âmbito federal. Existe muita experiência acumulada, também, nos espaços nãogovernamentais.
O Brasil não está morto! Está cheio de experiências locais mostrando como
se organiza, como se planta, como se comercializa, como se governa. 8
O Brasil não está morto! Está cheio de experiências locais mostrando como se organiza, como
se planta, como se comercializa, como se governa.
Os desafios e oportunidades para o Brasil implicam considerar a heterogeneidade do país, e
nesse aspecto é equivocada a trajetória das políticas públicas, por conta da visão
centralizadora. De baixo para cima, consegue-se trabalhar a heterogeneidade. Mas como as
políticas generalizadoras vêm de cima para baixo, a tendência é operar como se o Brasil fosse
um país uniformemente semelhante, o que não é. Mas sabemos que, mesmo na
heterogeneidade, é possível encontrar pontos de semelhança; generalizar o que é comum e
operar sobre o que é diferente. Trata-se de um desafio porque não temos essa tradição nas
políticas públicas governamentais. Outro desafio é romper com a idéia de que público é
sinônimo de governamental, apesar da tradição brasileira.
O correto para o Brasil parece ser o modelo descentralizado coordenado. A questão é quem
fará essa coordenação. Como é que vamos organizar esses focos de coordenação nas políticas
públicas governamentais? Qual é o papel das ONGs nesse ambiente descentralizado? Se nem
tudo que é público é governamental e se há descentralização, resta um espaço enorme para as
ONGs. E como é que as ONGs podem evitar a fragmentação? Qual é o papel das associações
de ONGs, no Brasil de hoje, em relação às políticas públicas? Para examinarmos essas
indagações, devemos discutir o modelo descentralizado coordenado, que é o que parece servir
ao Brasil. O papel regulador do Estado pode e deve ser ampliado. Com um Estado regulador
pode-se discutir.
Outra questão é o avanço obtido em termos da democratização. Em muitos casos, tivemos de
construir espaços. Em outros, o governo é que abriu espaço. Hoje existem os Conselhos
institucionais, importantes espaços de participação, mas cuja composição é que define a
relação de poder. Outro aspecto importante é a atribuição dos Conselhos. Uns são consultivos,
outros são deliberativos. Conseguimos influir mais quando eles são deliberativos, ou seja,
quando sua atribuição é deliberar, é influir nas decisões e, portanto, é exercer uma parcela do
poder.
A experiência de descentralização diante da crise financeira é mais uma questão a ser
discutida. Participamos dos Conselhos Municipais de saúde, por um lado, e a saúde está sendo
privatizada, por outro. Então administramos o pedaço podre que resta do sistema público de 9
saúde. Será que vale a pena ter Sistema Único de Saúde, com Conselho democratizado e tudo
o mais, se nos sentamos ali e não tomamos nenhuma decisão, porque não há o que decidir? Aí
achamos que o que está errado são os Conselhos. É este o erro, ou o erro é a falta de
investimento do governo na saúde? Afinal, onde está o erro? O erro está na política
econômica, é lá que temos de intervir, e não na nossa experiência de gestão descentralizada e
democrática.
Para terminar, sublinhamos algumas idéias-chave em torno da discussão das políticas públicas
e do papel dos Conselhos:
1. A economia é resultado das decisões políticas e não de decisões técnicas como o discurso
tecnocrático quer fazer crer.
2. A crise do Estado é a crise de um modelo específico de Estado que vigorou no Brasil
durante a maior parte do século XX, um Estado desenvolvimentista e conservador;
3. O modelo de Estado desenvolvimentista foi promotor de desenvolvimento, por um lado,
mas também das enormes desigualdades que temos no Brasil de hoje, por outro;
4. Principalmente a partir do regime militar, esse modelo de desenvolvimento foi sustentado
pela internacionalização da economia e pelas crescentes dívidas internas e externas que geram
a insustentabilidade do modelo e sua crise profunda;
5. As desigualdades sociais geradas por esse modelo são um enorme obstáculo para a
superação dessa crise;
6. As opções políticas no governo Fernando Henrique Cardoso privilegiaram o pagamento da
dívida, atendendo ao interesse dos credores, em detrimento da promoção de políticas sociais;
7. Os Conselhos Municipais podem ser um importante instrumento no enfrentamento dessas
desigualdades;
8. O município sozinho não tem condições de responder às imensas demandas sociais
herdadas. Daí a necessidade de pensar políticas públicas de forma integrada, nos âmbitos 10
federal, estadual e municipal. Os Conselhos podem constituir importantes instrumentos dessa
articulação. Os Conselhos podem criar uma articulação poderosa, tanto horizontalmente (entre
os diferentes Conselhos), quanto verticalmente (entre os diferentes segmentos de uma mesma
política);
10. As conferências nas diversas escalas (federal, estadual e municipal) são importantes
porque promovem uma visão de Estado ou de país, em torno de determinada política.
11. Os atores sociais e os Conselhos setoriais devem articular-se e integrar-se com a política
econômica geral. É nosso direito debater e conhecer a política econômica geral.
Para refletir:
1. Discuta as principais características da herança histórica das políticas públicas
brasileiras.
2. Discuta as novas tendências da economia mundial e seus possíveis impactos sobre as
políticas públicas brasileiras.
3. Dê exemplos de experiências locais de políticas públicas que você considere
democráticas e inovadoras. E discuta os limites da ação local num país como o Brasil
e sugira iniciativas capazes de enfrentar tais limites.
Para ler mais:
ARAÚJO, Tânia Bacelar. Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranças e urgências.
Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2000.
FURTADO, Celso. Em Busca do Novo Modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.
FIORI, José Luís. Brasil no Espaço. Petrópolis: Vozes, 2001.


LINK: http://franciscoqueiroz.com.br/portal/phocadownload/gestao/taniabacelar.pdf

Olá pessoal!!!

Esse espaço foi criado para discutirmos as políticas públicas do nosso país.

Então vamos começar...

Abraços,

Eveliza Barbosa